“Em primeiro lugar eu tenho um carinho, uma fruição enorme em poder falar da Lucélia. A Lucélia foi emblemática para mim, na minha trajetória, porque na verdade a Lucélia me trouxe para a “realidade da dramaturgia”, porque eu quero dizer isso, eu era um sociólogo, um filósofo, que estava transitando ai, começando, que tinha me apaixonado pelo oficio, tinha pedido ao Herval Rossano para acompanhar, fazer um estágio, porque eu vi que o que eu escrevia, cheguei a escrever uma minissérie inteira sobre Balzac, era bom, mas era um professor de filosofia escrevendo, ai falei assim “eu preciso ter uma experiência concreta”, porque a minha experiência era toda das leituras do teatro francês, era uma formação heterogênea, e nem tinha na época uma formação especifica, acadêmica… Então eu fui ter uma experiência concreta com o Herval, me apaixonei, comecei a mergulhar e estudar.
E a Manchete tinha a seguinte característica – eu fui um afortunado, porque na época a Globo não tinha colocado ferrolho ainda – quem ia para a Manchete eram os atores, diretores e autores que estavam na Globo. Então, com os quais eu trabalhei na Manchete foram a Glória Perez e o Wilker, foi ele quem me promoveu a diretor na novela “Corpo Santo”, anterior a “Carmem”.
A Manchete tinha esse conceito de emissora irmã, não só no Carnaval, tinha uma relação direta do Dr. Roberto Marinho com o Sr. Adolfo Bloch, tinha uma comunicação. Eu tive o privilégio de conviver com gente de uma história incrível no meu começo, com grandes mestres e atores como a Lucélia, ela foi na minha segunda novela dirigindo. Então evidentemente, com a inquietude que ela traz, a Lucélia sempre teve essa coisa deliciosa dela de ser uma pessoa muito consistente, precisa ter consistência nas coisas, ela indaga, ela questiona, ela vai atrás, e isso era muito bom porque isso te estimulava, instigava. Primeiro que era a Lucélia, consagrada, era uma coisa impressionante, e ao mesmo tempo era uma troca que você tinha com um grande elenco, eu aprendi muito com ela e ao mesmo tempo ela desafiava muito, o que era muito legal, você tinha que estar preparado, você tinha que saber o que você estava fazendo ali. Para mim foi uma lição.
Ai o reencontro com ela na novela “Na Corda Bamba” foi delicioso, porque você imagina, depois de vários anos, bastante tempo, ela com o Edwin Luisi de novo, que já é espetacular, gente, não dá para falar da Lucélia e não falar da “Escrava Isaura”, porque é um marco na televisão mundial, não tem jeito, a gente não pode esquematizar a Lucélia só por isso, porque ela é muito mais que a Escrava Isaura, mas só a Escrava Isaura já é impressionante. Foi uma sacação do autor Rui Vilhena juntar os dois, criar personagens para os dois, e foi uma coisa linda, super bem bolado, e ai foi um pay off, além de ter sido incrível para a dramaturgia, foi um pay off emocional, um grande reencontro de afeto, depois de tanto tempo a gente poder se reencontrar.
A Lucélia não fez uma trajetória banal, de uma “atriz comum”, ela fez uma trajetória muito diferente, muito própria dela, muito no caminho dela e muito coerente, daí vai a minha profunda admiração pela Lucélia, ela tem uma coerência profunda em tudo que ela faz, a Lucélia não é aquela que vai defender uma coisa publicamente sem acreditar, ela é coerente com aquilo que ela sempre advogou, e ela advoga com intensidade, se você não tem ferramentas, se você não tem paixão pelo que você vai falar também, você vai ser engolido por ela. Então ela traz esse grande legado para você ter uma troca incrível, ela traz sempre um pensamento lá em cima, ela estimula, transcende e te leva sempre para instâncias diferentes e é muito legal. Foi um reencontro delicioso que fluiu muito bem, foi uma relação extremamente amorosa no trabalho, foi um mergulho na dramaturgia portuguesa.
Eu tenho muita lembrança de cinema da Lucélia: “Bonitinha Mas Ordinária” ela arrebentou! Espetacular! Ela tem essa pungência rodrigueana, acho ela incrível! Obrigado, é um privilégio meu falar de Lucélia!”
Marcos Schechtman
Diretor
(Dirigiu a Lucélia Santos em duas novelas: “Carmem”, de Glória Perez, na TV Manchete, em 1987, e “Na Corda Bamba”, de Rui Vilhena, na TVI de Portugal, em 2019)